Entrevista: “Voar é uma dádiva de Deus”, diz piloto amapaense 41 anos no ar

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Tem gente quem nem dorme direito quando sabe que irá viajar de aviação. Para outros, no entanto, voar é um prazer. É o caso do piloto João Carlos de Augusto Almeida Lima, de 62 anos, mais conhecido como Carlão.

Carlão já perdeu a conta de quantos voos fez. Sabe dizer que pilotou mais de 10 aeronaves diferentes em 20 países durante 41 anos de profissão. Carlão nasceu no Distrito de Fazendinha, e é um dos pilotos mais experientes e ativos da atualidade no Estado.

Filho do mecânico Randolfe Almeida e da professora Sebastiana Lenir de Almeida (nome de famosa escola no Bairro do Buritizal), Carlão ainda era criança quando fugia de casa para ver os aviões pousarem e decolarem do Aeroporto de Macapá.

Estudou no Aeroclube do Rio de Janeiro na década de 1970 e passou em um concurso público no Amapá em 1974. Hoje, fluente em Inglês e Castelhano, afirma: “voar é a realização de um sonho, uma dádiva de Deus. Sobretudo, porque pilotar um equipamento mais pesado que o ar é desafiar as leis da física. É algo incrível”. 

Carlão conversou com o site SelesNafes.Com, durante 2 horas de boa prosa, falou sobre parte da infância, como foi voar com governadores, fobia de passageiros, voos marcantes, a região mais bonita que já conheceu, e um momento de sufoco durante um pouso. Acompanhe alguns trechos. 

Carlão pilotou um monomotor por 22 horas, dos Estados Unidos até Macapá

Carlão pilotou um monomotor por 22 horas, dos Estados Unidos até Macapá

SelesNafes.Com: Por que ser piloto?

Carlão: Eu nasci na época em que foi desenvolvida a aviação comercial no mundo. Desde que me entendi por gente eu gosto de avião. Minha mãe era totalmente contra. Eu fugia de casa, pegava a bicicleta e ficava vendo as aeronaves decolando e pousando no Aeroporto de Macapá. Eu era fascinando por aquilo.

É um bom mercado?

Sim, paga bem. Esse mercado ficou um pouco selecionado porque agora existe o curso de Ciências Aeronáuticas, além da exigência da fluência em outras línguas. Na verdade você tem que se qualificar e se especializar para ter qualquer bom emprego.

Qual a principal dificuldade de voar na Amazônia?

Começa pelo clima. Nossas condições climáticas às vezes prejudicam voos, frequências de rádio e visibilidade. A logística e infraestrutura dos aeroportos ainda são mínimas na região.

Já sofreu algum acidente?

Sim, no Jari, em 1978. Estava chovendo muito e não tinha condições de continuar o voo. Decidimos parar no Jari. A única pista perto era a do Porto Sabão, e como o nome já diz era liso demais. Escorregamos e perdi o controle da aeronave. Batemos em uma árvore, mas nada muito grave. Graças a Deus!

O piloto amapaense diz que pilotar um avião é um sonho realizado

O piloto amapaense diz que pilotar um avião é um sonho realizado

Qual a lição desse acidente?

A primeira lição é respeitar as leis da natureza. Se estiver chovendo, é mais seguro esperar o tempo melhorar. Hoje já passo isso para aprendizes. Não adianta pilotarmos uma aeronave enorme se não respeitarmos os limites da natureza.

Um acidente de aeronave no Amapá que lhe marcou?

O mais chato e triste foi o que matou o deputado Dalto Martins, em abril de 2012. Esse foi um acidente que marcou por ele ser uma figura pública, ser piloto e muito conhecido.

Qual o conselho que o senhor tem para as pessoas que têm medo de voar?

Eu sempre digo duas coisas: é um dos meios de transportes mais seguros do mundo e fique calmo. A pessoa tem que relaxar, pensar em outras coisas, ouvir música, ler, tentar ficar tranquilo. Claro que existem casos que só um psicólogo dá jeito.

O senhor é funcionário do Estado. Para quais autoridades o senhor já pilotou?

Já levei Annibal Barcellos, Camilo Capiberibe, Roberto Góes, Papaléo Paes e Waldez Góes. O que tinha mais histórias era o Barcellos. Aquele homem era um mito. Extremamente preocupado com o povo, nunca descansava. Quando viajávamos, ele levava sempre uma comitiva. Enquanto voávamos, ele despachava documentos, definia atividades, revisava agenda e sempre contava uma boa história.

Um voo que lhe marcou?

Foi o resgate de uma criança doente no município de Amapá, em 1984. Era um bebê prematuro, de sete meses, que precisava fazer uma cirurgia em Macapá com urgência. Mas não havia ambulância equipada com oxigênio. A pista de pouso fica longe da sede do município. Nós cronometramos todo o tempo, atendimento e condição de voo, para coincidir com a chegada do menino na pista. Não podíamos ter contratempo nenhum se não o bebê morreria. Foi um sufoco ter a vida daquela criança sob minha responsabilidade. Mas foi tudo um sucesso. Graças a Deus.

Carlão fugia de casa para ver aviões pousando e decolando do Aeroporto de Macapá

Carlão fugia de casa para ver aviões pousando e decolando do Aeroporto de Macapá

Qual foi a viagem mais longa que o senhor fez?

Foi uma de 22 horas. Eu fui comprar um avião nos Estados Unidos para um cliente, e claro, trouxe a aeronave de lá. Foram 22 horas de voo com parada apenas para comer e abastecer o monomotor. Passei por todo o Caribe e só via nuvens no céu e o azul do mar. Uma beleza de viagem.

Quais países o senhor passou e qual o mais lindo?

Passei nos Estados Unidos, Republica Dominicana, Suriname, Guiana Francesa, Porto Rico e países da Europa. Fiquei apaixonado pelo Caribe. A Europa é linda, mas se você quiser olhar a natureza tem que ir pro campo. Já na América Latina existe uma especificidade de belezas naturais e um povo diferente. O Caribe é um paraíso na terra. Lugar indescritível e único. Com certeza foi o que mais me encantou.

O que é mais gratificante nessa profissão?

Sem dúvida é conhecer lugares e pessoas completamente diferentes. É ótimo ajudar pessoas que levam o progresso para regiões distantes. É gratificante ajudar pessoas doentes. É uma realização pessoal compreender outros contextos e levar informação, material e vidas a lugares tão distintos.



Source : selesnafes.com