Tradição secular no Pará, o Círio de Nazaré ganha versões em estados do Brasil e até em cidades estrangeiras


'Círio é um fenômeno revolucionário que se espalha no Brasil', defende pesquisadora. No Brasil, há Círios fora do Pará realizados há quase 90 anos. Na Guiana Francesa, a romaria de Caiena revela que a fé na padroeira do Pará não conhece fronteiras. Círio de Nazaré em Palmas Marília Randam/TV Anhanguera A fé em Nossa Senhora de Nazaré, padroeira da Amazônia, se espalha como um rio que invade as ruas de Belém em outubro e traça veredas Brasil afora. A tradição, que há 226 anos faz da capital do Pará a terra da maior procissão católica do mundo, também irradia a crença à Maria por diversos lugares, como Rondônia, onde o Círio é realizado há 89 anos; ou Fortaleza, no Ceará, onde a celebração ocorreu pela primeira vez em abril; chegando a outros países, como a Guiana Francesa, que já reúne fiéis devotos à Maria há quase duas décadas. "A popularização do Círio de Nazaré pelo Brasil transcendeu ao mero movimento de cunho religioso católico, se expandindo às demais religiões e diversificadas dimensões sociais da vida, constituindo-se numa verdadeira expressão cultural do País. Quando essa adesão popular acontece, torna-se um movimento revolucionário pacífico de massa", destaca a pesquisadora Josevett Miranda . A pedagoga, que integra o grupo de pesquisa “Sociedade, Ciência e Ideologia”, da Universidade do Estado do Pará (UEPA), explica que há 20 anos analisa cientificamente - ao lado das pesquisadoras Lúcia Melo e Denise Simões - , o Círio de Nazaré enquanto um movimento social de expressão cultural da Amazônia. Organizadas muitas vezes por comunidades de paraenses que vivem em outros locais, as celebrações do Círio fora do Pará preservam os elementos tradicionais da festividade mariana. Em muitos deles há a romaria puxada por corda, berlinda especial e até descida da imagem do Glória. Em vários lugares, há festas de confraternização entre os fiéis com a temática regional. Essas comemorações são regadas de muitas comidas típicas e músicas paraenses, diminuindo um pouco da saudade que os fiéis têm do Círio de Nazaré celebrado em Belém. "A explicação dessas ramificações é dada pela hegemonia política que o Círio de Nazaré conseguiu construir, principalmente junto às classes populares, introjetando seus valores, traços e padrões culturais no senso comum da concepção de mundo das pessoas, fazendo com que de uma simples manifestação religiosa local se transformasse impactante culturalmente na vida das pessoas de outros estados e até mesmo de outros países", analisa Josevett Miranda. Helena Amaral/ Arquivo Pessoal Círio em Caiena reúne paraenses e guianeses devotos à Nossa Senhora Círio com sotaque francês São muitos os sotaques que entoam orações à Maria de Nazaré. A procissão também ocorre na colônia ultramarina francesa desde 2000. De acordo com a organização do evento, cerca de 2 mil pessoas participam da procissão em Caiena, uma das cidades que realizam o Círio de Nossa Senhora de Nazaré na Guiana Francesa – e onde ocorre a maior procissão do país. Ela acontece sempre um domingo depois do Círio de Belém. A devoção à Padroeira da Amazônia atravessa fronteiras e gerações. A paraense Helena Amaral, 60 anos, transmitiu sua fé mariana aos filhos. Vivendo na Guiana Francesa há 30 anos, ela conta que o caçula de 23 anos, embora não tenha nascido no Brasil, é muito devoto de Nossa Senhora. “Este ano, ele fez uma promessa e vai agradecer na corda”, revela. Helena Amaral, no centro da foto ao lado direito do cartaz, celebra o Círio de Nazaré em Caiena Helena Amaral/Arquivo Pessoal Antes da celebração em Caiena, famílias realizam reuniões de orações e novenas à Nossa Senhora. Ao término dessas novenas, é realizado um pré-Círio na Paróquia Remire Montjoly, na igreja São Francisco Xavier, com a coroação da virgem e a troca do manto. “Participo das novenas sempre, principalmente em Kourou, onde moro. Tenho muita devoção à Nossa Senhora de Nazaré. Já fiz várias promessas e em todas elas eu consegui a minha graça”, relata Helena. “Na Guiana, eu participei do Círio duas vezes, porque nós temos a tradição de irmos todo ano pra Belém neste período. A gente se reúne em Belém, todos vamos pra igreja, alguns vão pra corda. É maravilhoso, eu amo. Já temos esse hábito de ir todo ano”, conta a paraense. Helena garante que a fé paraense se espalhou entre os guianenses. “Reúne bastante brasileiro no Círio daqui, mas há muitos guianenses que já oram por Nossa Senhora, são fervorosos mesmo, fazem novena, promessa”. Entre os que adotaram a fé na Padroeira da Amazônia, novos membros da família da paraense. “Além do meu filho, a esposa dele, que é guianense, disse que vai na corda esse ano também. Vão para Belém ele, a esposa e a filha. Eles estão muito contentes de participar dessa grande procissão em Belém”. Fé por todo o Brasil O Círio de Nazaré tornou-se uma procissão nacional. O G1 realizou um levantamento e identificou outras cidades que reúnem devotos em demonstrações de fé à Nossa Senhora de Nazaré, cada uma delas apresentam peculiaridades entre si. Confira: Jovenoca Silva Paixão participa do Círio no bairro do Sumaré, na capital de São Paulo, onde vive há mais de 40 anos Jo Silva/Arquivo pessoal Sumaré - SP Um dos mais tradicionais fora do Pará, o Círio de Sumaré, na capital paulista, é realizado no segundo domingo de outubro, assim como é o de Belém. "A saudade é imensa de tudo. Da família, da procissão do Círio, da reunião, dos amigos. É impressionante como nós, paraenses, guardamos dentro de si a energia do Círio de Nazaré", relata a enfermeira aposentada Jovenoca Silva Paixão. Ela é paraense e vive em São Paulo há 44 anos. Ela conta que participa sempre que pode da festividade de Nossa Senhora de Nazaré na cidade, que acontece a cada outubro no bairro do Sumaré. “A emoção é indescritível. Não existe um paraense que não chore quando a santa entra na igreja”, diz. A procissão, realizada há 51 anos, parte do Santuário de Nossa Senhora de Fátima e carrega os elementos tradicionais da quadra nazarena, como a corda, a berlinda e a procissão pelas ruas do bairro. A celebração começa por volta das 11h, com uma missa. "No final da procissão nós fazemos uma festa com comidas e músicas paraenses. A comemoração vai até umas 17h. A nossa festa já foi grandiosa, mas agora estamos bem menores. Antes tínhamos artistas do Pará. Pena que as pessoas que faziam a festa acontecer já faleceram", conta Paula Machado, presidente da comissão organizadora do Círio de Sumaré. Círio do Sumaré encerra ao som de ritmos regionais e danças típicas do Pará Jovenoca Silva/Arquivo Pessoal Paula é paraense, vive em São Paulo há 54 anos e não esconde a devoção por Nossa Senhora. Ela conta que a emoção proporcionada pela festa, mesmo longe da terra natal, é indescritível. "Em todos os anos no Círio aqui de São Paulo eu me emociono. Durante a festa vejo o meu povo feliz. Vejo a vontade e o prazer das pessoas em participar do Círio. Fico muito emocionada em ver a igreja lotada", explica. Ela conta também que este ano um padre do município de Abaetetuba, do nordeste do Pará, foi chamado para celebrar a missa do Círio em Sumaré. Além disso, será confeccionado um manto especial para as procissões. Santos - SP O Círio de Nossa Senhora de Nazaré em Santos, interior de São Paulo, é realizado anualmente e organizado pela Sociedade Amigos da Amazônia. A festividade é celebrada no segundo domingo de outubro, assim como o Círio de Belém. O percurso do Círio de Santos tem cerca de 2 km e passa pelas principais ruas do Bairro da Pompéia. De acordo com a Sociedade dos Amigos da Amazônia, a festividade é celebrada na cidade há quase 70 anos. No final da romaria, é realizada uma reunião festiva entre os fiéis no Ginásio da Pompéia, onde são servidos pratos típicos da Amazônia. Porto Velho - RO Realizado há 89 anos em Rondônia, a festividade é tão tradicional que Nossa Senhora de Nazaré recebeu o título de padroeira do estado, pelo do Núncio Apostólico do Brasil, Dom Bento Aloisi Massela. A festa em homenagem à Nossa Senhora de Nazaré em Porto Velho começou em 1930. Até a década de 1970 foi realizada na Catedral do Sagrado Coração de Jesus, onde durante uma semana acontecia o arraial. Atualmente, o Círio é realizado no bairro Jardim Eldorado, onde está localizada a igreja de Nossa Senhora de Nazaré. A festa é celebrada no primeiro domingo de outubro, uma semana antes do Círio de Belém. A procissão saiu da igreja Nossa Senhora de Nazaré, percorre as ruas da cidade e retorna ao local de partida. Círio de Nazaré reúne cerca milhares de pessoas no Rio Branco Quésia Melo/G1 Rio Branco - AC Reunindo cerca de 15 mil fiéis na capital do Acre, o Círio de Rio Branco já é tradicional no calendário religioso do município. A procissão, realizada há 87 anos, é realizada sempre no dia do Círio de Belém. De acordo com a diocese de Rio Branco, a procissão começa no Calçadão da Gameleira, onde a imagem chega por uma pequena embarcação. Segundo a diocese, a tradição veio ao Rio Branco com imigrantes paraenses. A procissão se inicia com a imagem da santa chegando de barco pelo Rio Acre, assim como os imigrantes. Após a chegada da imagem, os fiéis iniciam a caminhada na rua Eduardo Asmar, no Segundo Distrito da capital. Após isso, atravessam a Ponte Coronel Sebastião Dantas e seguem em caminhada até a Catedral Nossa Senhora de Nazaré. Círio de Nossa Senhora de Nazaré 2019 tem como tema "Salve Maria, rainha da Amazônia missionária" Diocese de Macapá/Reprodução Facebook Macapá - AP Assim como o Círio de Belém, a festividade de Nossa Senhora de Nazaré no Amapá é realizada no segundo domingo de outubro. Um mês antes, a imagem da santa realiza uma peregrinação por órgãos públicos da cidade. Segundo a organização da festa, cerca de 200 mil pessoas participam da celebração. A primeira procissão do Círio de Nazaré realizada em Macapá foi em 1934, quando as religiosas da Congregação das Filhas do Coração Imaculado de Maria resolveram organizar a festa em homenagem a padroeira dos paraenses. Apesar de Macapá já ter seu padroeiro, São José, a concentração de romeiros do Círio de Nazaré em Macapá é a maior do estado, crescendo a cada ano o número de fiéis. Recife - PE Círio de Nazaré no Recife começa com uma missa na Igreja da Soledade Luna Markman/G1 Completando 80 anos em 2019, o Círio de Recife é tradicional no calendário religioso da capital Pernambucana. Centenas de pessoas participam da procissão de Nossa Senhora de Nazaré no bairro da Boa Vista. Assim como em Belém, a procissão é realizada no segundo domingo de outubro. A tradição foi iniciada pelos paraenses Artur Roxo Pereira e Manuel Emílio Guillon, fiscais da Receita Federal, que foram transferidos para Pernambuco. Eles doaram à Paróquia da Soledade uma imagem da santa, que haviam trazido de Belém, iniciando assim a festividade realizada até os dias atuais. No Recife, a comemoração começa às 9h com uma missa na Igreja da Soledade. Em seguida, a procissão segue pelas ruas Oliveira Lima, Gervásio Pires e Avenida Conde da Boa Vista, retornando para a Rua da Soledade. Rio de Janeiro - RJ Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré estará em visita ao Rio de Janeiro Marcelo Seabra/O Liberal Já tradicional no calendário católico da cidade, o Círio do Rio de Janeiro é realizado anualmente há uma década. As procissões cariocas são celebradas durante o mês de agosto. A criação do Círio no Rio de Janeiro foi uma iniciativa do cardeal Orani João Tempesta, atual arcebispo carioca, que de 2004 e 2009, coordenou a diocese de Belém. Ao todo, são três dias de celebração. A imagem peregrina da santa, a mesma usada nas romarias de Belém, sai em cortejo pela cidade visitando diversas capelas e paróquias. Segundo a Arquidiocese do Rio, cerca de 10 mil pessoas participam das homenagens. Brasília - DF Comemorado há mais de 40 anos, o Círio de Brasília é organizado por uma comunidade de paraenses da Paróquia Nossa Senhora de Nazaré, no Lago Sul. De acordo com a organização, cerca de 10 mil pessoas participam da festividade realizada no segundo final de semana de setembro. Após uma missa festiva em Ação de Graças, fiéis de Nossa Senhora realizam uma caminhada com velas. Durante a romaria, há uma corda que circunda a imagem da Santa. Ao final da procissão, o salão paroquial realiza uma festa com venda de comidas típicas do Pará. Ouro Branco - RN Organizado pela comunidade católica da cidade, o Círio em Ouro Branco reúne fiéis no Açude do Esguicho, na zona rural da cidade. Por volta das 5h, os devotos realizam uma caminhada com a imagem de Nossa Senhora até a igreja matriz do município. O percurso tem cerca de um quilômetro. Muitos dos fiéis participam da celebração como forma de pagar promessas e agradecer por graças alcançadas. Fortaleza - CE Caçula entre as procissões, o Círio de Fortaleza começou neste ano. A celebração foi realizada em outubro e contou com a imagem peregrina de Nossa Senhora, a mesma usada no Círio de Belém. Ao contrário do que acontece na capital paraense, no Círio de Fortaleza não há procissão. A imagem visita capelas e igrejas do município, onde são rezadas missas e celebrações eucarísticas. Após as homenagens, a imagem fica exposta para a visitação. São Luiz - MA Romaria do Círio de Nazaré, em São Luís Igor Almeida/ G1 Maranhão Em São Luiz, as festividades são realizadas há 25 anos no bairro do Cohatrec. Desde setembro o local fica envolvido com atividades pré Círio, como Círio Ecológico, Círio Esportivo, Círio Solidário e Círio das Crianças, peregrinações nas escolas, hospitais, residências, ruas e outros locais. Em novembro é realizado um novenário do Círio de Nazaré, que se estende até o dia 14 de outubro com a procissão. A Romaria do Círio de Nazaré é celebrada com um cortejosai da Igreja Nossa Senhora do Carmo, na Praça João Lisboa, e será finalizado na Paróquia Nossa Senhora de Nazaré, no Cohatrac. Palmas - TO Círio de Nazaré em Palmas Pedro Barbosa/TV Anhanguera Existente há apenas três anos, o Círio de Palmas já reúne cerca de 5 mil pessoas pelas ruas da cidade no segundo semestre do mês de novembro. A festividade possui programação intensa, que acompanha visitas às paróquias, instituições sociais, órgão públicos, empresas, carreata, vigílias, realização de missas e a grande procissão luminosa com a corda.

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