O que dizem especialistas sobre a hipótese de o óleo que atinge a costa brasileira ter origem na Venezuela


Pesquisadores ouvidos pelo G1 analisaram as informações que já foram divulgadas pelas autoridades que investigam o fato e divergiram sobre a possível origem da substância. Praia da Sabiaguaba recebe mutirão de limpeza para retirada de manchas de óleo que vazou no litoral nordestino José Leomar/SVM O óleo que em 30 de agosto começou a ser visto na costa do Nordeste do Brasil ainda não teve sua origem confirmada, mas uma série de hipóteses tem sido levantada por autoridades e especialistas. Duas análises apontam que a composição do material se encaixa com a do petróleo cru extraído na bacia da Venezuela. Um desses estudos é da Petrobras e o outro, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Autoridades federais, no entanto, explicam que não existe confirmação de que a Venezuela é o local onde ocorreu o vazamento. Especialistas com conhecimento sobre a indústria petrolífera e correntes marítimas dizem que não é plausível supor que o material tenha saído da Venezuela e percorrido uma grande distância pelo mar até chegar à costa do Brasil. Para os analistas, o mais provável é que ele tenha vindo de um navio que estava passando pela costa brasileira. Por isso, a Marinha anunciou nesta quinta-feira (10) que, "após uma triagem das informações do tráfego mercante na região de interesse", está notificando 30 navios-tanque de 10 diferentes bandeiras a prestarem esclarecimentos na investigação. Pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) também estão analisando imagens de satélite da costa para mapear navios cargueiros que passaram pela região onde as manchas de óleo foram encontradas. O G1 ouviu especialistas de universidades e instituto de pesquisa do Brasil e Venezuela sobre o que é possível ou não determinar até agora sobre o problema. São eles: Patricia Matai, professora de engenharia de petróleo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) Ricardo Cabral de Azevedo, professor de engenharia de petróleo da Poli-USP Iderley Colombini Neto, especialista em geopolítica do petróleo no Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Rafael Quiróz, economista e chefe da Cátedra de Economia e Política Petroleira da Universidade Central da Venezuela (UCV) Rui Carlos Botter, professor de logística e transportes da Poli-USP Veja abaixo os principais pontos levantados: É possível saber o país que produziu o óleo? Manchas de óleo na praia de Lagoa do Pau, no município de Coruripe, em Alagoas Pei Fon/Raw Image/Estadão Conteúdo Segundo a Petrobras e a UFBA, é possível chegar à origem do local de onde saiu uma amostra de petróleo por causa da composição dela. "Cada petróleo teria, entre aspas, um DNA específico. Então, esse conteúdo de moléculas que está em cada amostra é que me permite diferenciar um petróleo do outro e correlacioná-los, buscar semelhanças ou diferenças. Então, a gente, grosseiramente, pode dizer que cada petróleo tem um DNA diferente", afirmou o geólogo Mário Rangel, gerente do laboratório de geo-química da Petrobras, ao Jornal Nacional na terça-feira (8). Com base nessa premissa, a Petrobras disse que analisou 23 amostras coletadas nas praias nordestinas e chegou à conclusão de que o material não é produzido, nem vendido ou transportado pela estatal. O óleo tem mesmo origem na Venezuela? A Petrobras informou ainda que encaminhou aos investigadores uma análise indicando que os resíduos encontrados são uma mistura de óleos venezuelanos. Porém, o presidente da estatal disse que não é possível dizer de onde o óleo veio. Nesta quinta-feira (10), a pesquisadora Olivia Oliveira, da UFBA, afirmou que a universidade fez "diversas análises geoquímicas" das amostras coletadas e que esses "estudos agroquímicos evidenciam que o óleo é proveniente de uma bacia da Venezuela". Ricardo Cabral, da Poli-USP, afirma que concluir que o petróleo encontrado veio da Venezuela é "relativamente fácil" mesmo antes de análises mais detalhadas porque "este óleo encontrado é um dos mais densos produzidos no mundo hoje". "Não existem dois lugares com petróleos idênticos. Mesmo dentro da Venezuela, existem vários tipos com diferentes composições químicas, densidades, viscosidades, cores, etc. Existem óleos densos como os deles em muitos lugares, mas poucos países os produzem, pois têm um valor comercial mais baixo", afirma. O que diz a Venezuela sobre a origem do petróleo? Comunicado conjunto foi publicado no site da PDVSA nesta quinta-feira (10) Reprodução/Site PDVSA Ainda nesta quinta-feira, o governo de Nicolás Maduro negou que a Venezuela seja responsável pelo petróleo que atinge praias do litoral brasileiro. Em nota, a estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA) afirmou que "rechaça categoricamente as declarações do Ministro do Meio Ambiente da República Federativa do Brasil, Ricardo Salles, que acusa a República Bolivariana da Venezuela de ser responsável pelo petróleo bruto que polui as praias do Nordeste do Brasil desde o início de setembro, considerando essas alegações infundadas, uma vez que não há evidência de derramamentos de óleo nos campos de petróleo da Venezuela que poderiam ter causado danos ao ecossistema marinho do país vizinho". Qual foi a resposta do governo federal? O ministro Ricardo Salles durante sessão da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara nesta quarta-feira (9) Vinícius Loures/Câmara dos Deputados O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou nesta quinta-feira (10) que a resposta do governo da Venezuela é "descabida", e que o governo brasileiro em nenhum momento disse que o óleo tinha vazado de campos venezuelanos, mas sim que foi produzido naquele país. "Ao contrário do que foi dito pelo governo ditatorial da Venezuela, nós não dissemos que o vazamento vem de poços venezuelanos. O que dissemos é que o petróleo encontrado, o óleo encontrado conforme laudo laboratorial da Petrobras, comprova, primeiro, que não é brasileiro e, segundo, é muito provável que seja venezuelano, porque tem similitude com outro vazamento passado e, portanto, ao se comparar essas amostras, se chega à conclusão de que se trata do mesmo óleo ou um 'blend' derivado do mesmo óleo venezuelano", disse o ministro. O que dizem especialistas sobre essa hipótese? Foto de 8 de outubro mostra criança caminhando sobre manchas de óleo na praia de Pontal do Coruripe, em Alagoas. Alisson Frazao/Reuters "Sobre o governo brasileiro dizer categoricamente que o petróleo é da Venezuela, esta é uma afirmação séria, é uma alegação grave", afirmou Patrícia Matai, professora de engenharia de petróleo da Escola Politécnica da USP. O economista venezuelano Rafael Quiróz, que é chefe da Cátedra de Economia e Política Petroleira da Universidade Central da Venezuela (UCV), afirmou por telefone ao G1 que, apesar de a composição do petróleo cru variar de acordo com as regiões do planeta, "não há elementos que sustentem" a informação de que a Venezuela seja o único local onde ele foi encontrado. Quiróz reiterou a informação do governo venezuelano de que não há registros de vazamento de petróleo no país, e disse que, se petróleo fosse despejado na costa da Venezuela, ele seguiria as correntes marítimas e seria levado para o norte, rumo ao Golfo do México e aos Estados Unidos, e não rumo ao sul. "Minha conclusão, ao ver o mapa de correntes marítimas, é que é muito difícil que seja petróleo venezuelano", disse ele. "Ele teria que fazer uma grande volta, não sei de quantos quilômetros, pelo noroeste da América do Sul." O professor venezuelano afirmou ainda que ele teria que passar pela Guiana (país que, segundo ele, também explora petróleo), Suriname e Guiana Francesa para chegar ao Brasil. Iderley Colombini Neto, especialista em geopolítica do petróleo no Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), concorda. “A produção da Venezuela é em grande parte nos lagos, fica longe demais da costa para um eventual vazamento que sai de lá e vem pelas correntes marítimas até o Nordeste", explica ele. Petroleiros na costa brasileira Em relação à hipótese de um navio transportar petróleo venezuelano na região onde apareceram as manchas de óleo, Neto, do Dieese, acredita que esta seria uma rota improvável. "Os navios de transporte de petróleo venezuelanos não passariam nessa parte da costa brasileira. Qualquer operação de transporte saindo da Venezuela levaria os navios para o Hemisfério Norte, onde estão os países que compram deles”, afirma o especialista. “Os petroleiros que fazem essa rota, pela costa do Nordeste, são os que levam petróleo brasileiro para a Europa, como o petróleo da Petrobras e o de empresas estrangeiras menores que começaram a explorar o pré-sal há pouco tempo. Como a análise oficial já descartou que o produto seja da Petrobras, faz mais sentido verificar os que transportavam material dessas novas empresas.” – Iderley Colombini Neto (Dieese) Porém, ele afirma que interesses econômicos podem influenciar o debate sobre quem ou o que pode ter provocado o problema ambiental na costa nordestina. "O que acontece é que há uma disputa política grande. Hoje mesmo tivemos uma rodada de leilões com mais milhões de reais ofertados por empresas internacionais [para explorar bacias de petróleo no Brasil]. Então tem interesses econômicos aí em apontar culpados", diz Neto, em referência ao leilão de petróleo da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), que arrecadou R$ 8,9 bilhões nesta quinta (9). Outras hipóteses O presidente da Petrobras, Castello Branco, disse nesta semana que ainda não é possível dizer de onde vazou o óleo, mas apontou três hipóteses: um navio afundado um acidente durante a passagem de óleo de um navio para outro (transshipment) despejo criminoso Já a hipótese de que um "navio fantasma", transportando petróleo em situação ilegal, esteja por trás da origem do vazamento é considerada "muito improvável" por Rui Carlos Botter, professor de Logística e Transportes da Poli-USP. "Os portos por onde esses navios passam estão sob olhar de órgãos estatais, são fiscalizados, inclusive em relação a troca de óleo de lastro. Seria muito difícil algum navio na Venezuela levar para outro porto nessa condição de pirata", diz ele. "O que pode ter ocorrido é algo chamado transshipment, que é a transferência de petróleo entre navios. Não é raro que esse processo seja feito no Brasil, às vezes com o navio parado, às vezes em portos, às vezes andando. O que poderia, em tese, ocorrer, mas não temos informações sobre isso, é uma transferência de óleo de um navio venezuelano para um navio de outra bandeira. Poderia haver essa possibilidade", diz Rui Carlos Botter. Rafael Quiróz, professor da Universidade Central da Venezuela (UCV), diz que só seria possível envolver a Venezuela de fato se houver evidências de que o vazamento tenha começado em um barco com bandeira do país. "Esses barcos que estão fazendo transferência de barris, que bandeira têm? De onde trouxeram o petróleo cru? Não há evidência." Dimensão do desastre Iderley Colombini Neto, do Dieese, diz que as hipóteses de que houve um acidente que afundou um navio ou que hocorreu vazamento durante o transshipment são possíveis. No entanto, para ele, uma questão a ser levada em conta é a grandeza do desastre. "Se fosse uma comporta vazando, você não teria essa magnitude. O que está complicando é a quantidade. E não ter sido pego por nenhuma autoridade", diz ele. "Eu acho que na transferência entre barcos seria difícil ter essa magnitude, a não ser que tenha virado algo mesmo criminoso, que eles tenham deixado pra lá uma vez que o acidente começou a ocorrer. Mas, pela quantidade e dispersão do óleo, me parece ser algo mais contínuo do que um momento específico, como este caso." Para Patrícia Matai, da Poli-USP, todas as possibilidades ainda estão em aberto, mas uma hipótese é mais improvável. "É uma incógnita [a origem do óleo]. Mas o que se pode praticamente descartar é que esse óleo tenha mais de uma nacionalidade, sejam petróleos de países diferentes transportados pelo mesmo barco. Apesar de petroleiros terem vários compartimentos, não é habitual que encham com petróleo de origens diversas." Dívida ambiental Independentemente da origem do vazamento, Rafael Quiróz afirma que as manchas de óleo que, segundo o balanço de 9 de outubro, já atingiram 139 localidades de 63 municípios em 9 estados, e deixaram 11 tartarugas marinhas e uma ave mortas, só fazem "aumentar mais a dívida ambiental que a indústria petrolífera tem tido e segue tendo com o meio ambiente". Ele afirma que é necessário continuar assegurando os protocolos de segurança permanentes contra vazamentos e lembra que, em contato com a água do mar, o petróleo se decompõe e se torna uma gelatina que é altamente nociva para o ecossistema marinho. Initial plugin text

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