Pesquisa 'corre contra o tempo' para mapear boa parte das espécies de peixes-elétricos do mundo


Pesquisadores que descreveram animal com voltagem record estimam existir mais de 50 espécies não conhecidas. Projeto prevê a descoberta de novos peixes-elétricos na América do Sul Após recente descoberta de que habitavam a Amazônia três espécies diferentes do peixe-elétrico, conhecido como poraquê, e não apenas uma, como se pensava há mais de 50 anos, o Terra da Gente conversou com pesquisadores responsáveis pelo projeto. Financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), instituições do EUA e o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), a pesquisa pretende mapear e descrever boa parte das espécies de peixes-elétricos do mundo. O trabalho terá a duração de cinco anos e de acordo com Naércio Menezes, que coordena o projeto como professor do Museu de Zoologia da USP, os peixes têm uma associação muito grande às florestas, assim, a mineração, a construção de usinas e a redução das florestas podem desencadear o desaparecimento de espécies. "Essa pesquisa deve ser feita com urgência, em função da degradação ambiental. Queremos deixar informações para as próximas gerações e estamos correndo contra o tempo”, afirma. O projeto está em seu segundo ano e já apresenta resultados valiosos. Com o apoio de diversos colaboradores, os pesquisadores estimam que 50 novas espécies dessa ordem de peixes poderão ser descobertas na América do Sul e a mais recente descrição provou que uma das novas espécies descritas na Amazônia era dona do choque de mais alta voltagem entre os animais. O pesquisador brasileiro associado do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsonian, em Washington DC, Carlos David de Santana, foi um dos responsáveis pela descoberta. O processo, que se iniciou com a revisão de amostras das espécies em museus, ganhou mais forma com a retirada de amostras dos tecidos de peixes amazônicos para análise do DNA. De ocorrência na várzea da Amazônia peixe-elétrico pode atingir 2,5 metros Douglas Bastos/Acervo Pessoal Os pesquisadores observaram um padrão entre certas populações. O que se imaginava tratar de uma única espécie apresentava diferenças e, ao colocar no mapa, descobriram que essas distinções tinham relações com os ambientes de ocorrência. Conseguiram separar as diferenças de uma espécie em três: Electrophorus electricus, E. varii, E. voltai. Enquanto, antes, todos os peixes-elétricos eram enquadrados dentro da primeira nomenclatura, a descoberta das diferenças revelou características importantes para identificação das espécies. “O E. varii, por exemplo, ocorre na várzea da Amazônia, regiões a 300 m. abaixo do nível do mar, chamadas de águas brancas, com o fundo de lama e grande quantidade de sais da água. Já o E. eletricus e E. voltai vivem acima de 300 m, em águas claras e oxigenadas, com sais dissolvidos e com fundo rochoso”, explica o pesquisador. Área de ocorrêcia dos peixes-elétricos deu pista sobre a diferença entre espécies Fernando Jerep/Acervo Pessoal A descoberta das novas espécies é um indício do avanço no campo da ciência e de manipulação desses animais. “Esses bichos crescem acima de 2,5 m e pesam acima de 25 kg. No passado, era muito difícil de transportar para fazer uma análise a nível continental nos museus. Outro fato para essas espécies terem ficado “escondidas” é que as análises de DNA não eram tão populares”, comenta Carlos David. Uma nova descoberta possível com o trabalho dos pesquisadores com os peixes-elétricos é de um "record" na voltagem do choque elétrico. Se, até então, 650 volts era o máximo registrado por esses peixes, um deles produziu 860 volts, a maior já medida em um animal. A espécie era um E. voltaii, que recebeu o nome homenageando Alessandro Volta, criador da primeira bateria elétrica, em 1799. A medida desse tipo de estatística é feita ao tirar o peixe da água, depositá-lo em um saco plástico ou lona e aplicar eletrodos e voltímetros na ponta do focinho e da cauda do animal. “Empregamos a medida da voltagem como forma de diferenciação, algo inédito na identificação de novas espécies”, explicou Naércio Menezes. Diversidade em desenvolvimento Santana descreve que atualmente só se conhece entre 1% e 10% da biodiversidade da Terra e que pesquisas como essa são provas de que a natureza permanece escondida e esperando ser revelada. Os peixes-elétricos ocorrem numa variedade grande de ambientes e, para conhecê-los melhor, a equipe deve diversificar os aparelhos para conseguir o material dessas espécies. "Entre os instrumentos de coleta nós vamos utilizar até drones subaquáticos. Já foi feita uma coleta no Suriname, em colaboração com cientistas francesas, uma primeira etapa (de uma série de doze) em Rio Branco (AC) e nossos esforços vão se concentrar nas áreas de onde ainda se conhece muito pouco", descreve o coordenador do projeto. De uma maneira geral a gente tem uma grande lição: se podemos encontrar uma nova espécie que atinge mais de 2,5 metros de comprimento. O que mais nós não poderíamos encontrar? Os peixes-elétricos “Irmãos” de bagres e “primos” de piranhas, os peixes-elétricos são exclusivos da América do Sul e de uma ordem animal que intrigava a humanidade desde que os primeiros exploradores vasculhavam o continente. A descoberta de que havia uma espécie de peixe que poderia produzir eletricidade gerou até avanços para a ciência e culminou na criação das baterias elétricas, inspiradas nas estruturas desses animais. Esse peixe possui três órgãos elétricos e quase três quartos do seu corpo dedicado à produção de eletricidade. “Eles estão arranjados como pilhas em séries dentro de uma lanterna. O principal é o que está na parte anterior do corpo e produz a maior parte da eletricidade forte”, comenta Carlos David. Os outros dois órgãos produzem intensidades diferentes de eletricidade e, por conta disso, podem ser usados pelos próprios animais como estratégia de comunicação e navegação. “Quando eles têm a necessidade de se defender ou caçar, disparam os três órgãos simultaneamente. Isso imobiliza o animal, geralmente peixes, e eles os comem”, descreve ainda o pesquisador. Projeto de pesquisa deve permanecer investigando os peixes-elétricos por mais três anos Leandro Sousa/Acervo Pessoal Naércio Menezes ainda explica que o poraquê é um dos mais interessantes peixes-elétricos por ser o maior deles e produzir uma carga elétrica muito superior aos outros encontrados. "Os choques são uma forma de identificação dessas espécies, porque cada peixe produz uma quantidade peculiar de volts. É como um RG de cada espécie", comenta ele. Além de esses peixes-elétricos possuírem um grande apelo do imaginário popular por suas características inusitadas, estudos realizados recentemente demonstraram que substâncias produzidas no órgão elétrico do peixe podem se tornar possíveis medicamentos contra Parkinson e Alzheimer.

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